Mesmo com a chuva em abundancia a seca mantem-se no Alto Tâmega
A campanha de rega deste ano, esteve comprometida nas barragens do Alto Tâmega e mesmo com a chuva das últimas semanas os níveis de água continuam a ser preocupantes e nenhuma das quatro barragens do concelho de Chaves (Curalha, Mairos, Rego do Milho e Arcossó), deixou de estar em estado crítico.
Assistimos nas últimas semanas ao regresso de padrões instáveis o que significa também a chegada da chuva, isto após um dos períodos mais secos e quentes desde que há registos na região, ou seja o ano hidrológico 2021/2022, de 1 de outubro de 2021 a 30 de setembro de 2022, em Portugal Continental, classificou-se como muito quente e extremamente seco. Foi o 4º ano hidrológico mais quente desde 1931, e terminou com um défice de precipitação de -393,8 mm, sendo o terceiro mais seco desde a mesma data.
Com tanta chuva são já muitos os que dizem que as preocupações com a seca “é coisa de ambientalistas e isto foi só para assustar”, mas na verdade o estado crítico em que as albufeiras se encontram continua a ser preocupante. Será que já podemos respirar de alívio? Foi a questão que fizemos ao vereador Nuno Chaves, responsável pela Proteção civil e pela água no concelho de Chaves.
Ainda que seja prematuro antecipar qual os efeitos decorrentes da situação de seca severa ou extrema que se verificou, a verdade é que, segundo o Vereador, “todos as previsões apontam para a mesma tendência nos próximos anos, isto é, um aumento do risco e da vulnerabilidade a fenómenos extremos decorrentes das alterações climáticas – temperaturas mais elevadas, menos precipitação, mais frequentes, longos e intensos períodos de seca e maior risco de incêndio”, começou por dizer Nuno Chaves que garante que “a precipitação que se tem feito sentir, não é ainda suficiente para ultrapassar a situação de seca hidrológica, porventura a mais grave deste século, na medida em que não foi suficiente para o aumento das disponibilidades hídricas superficiais ou subterrâneas, porque o solo extremamente seco não permitiu a infiltração em profundidade nem a escorrência”.
Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, os armazenamentos na rede pública de barragens, que na primeira quinzena de novembro se situavam nos 60%, estão ainda inferiores às médias de armazenamento para o mesmo período, entre 1990/91 a 2020/21. Por sua vez, a albufeira do Alto do Rabagão, que perdeu 50% do volume de água nos últimos 12 meses, apresenta uma disponibilidade hídrica de 26%, bastante inferior às médias de armazenamento do mês de novembro, entre 1990/91 e 2020/21, que é de 55%.
“Há ainda muita água para recuperar e, por isso, precisamos que chova muito mais, preferencialmente, sem causar inundações, alagamentos no solo e outros estragos, para repor as reservas de água no solo, devolver a água aos rios e repor os níveis das albufeiras, tendo em conta que as nossas barragens servem não só para o abastecimento, para a rega, mas também para a produção de energia, o que ganha particular acuidade face à guerra na Europa”.
Para o vereador da Câmara de Chaves, “a precipitação está a dar uma pequena ajuda à agricultura, garantindo as pastagens e resolvendo as necessidades hídricas das culturas, depois de um ano de seca que afetou todas as produções”.
Contudo, Nuno Chaves deixa o alerta de que “é necessário que a agricultura desenvolva um relacionamento mais sustentável com a água, tendo de adaptar-se ao território e de se adequar aos recursos hídricos que temos, uma vez que nas barragens de regadio a situação é ainda mais preocupante, pois segundo o boletim de 11 de novembro que traduz a situação das reservas hídricas e de regadio nas albufeiras hidroagrícolas, a albufeira de Curalha, de Mairos e do Rego do Milho apresentam um volume armazenado de 24%, 27% e 58%, respetivamente, enquanto a albufeira de Arcossó regista apenas 7%. Assim, e para garantir a disponibilidade de recursos hídricos, é fundamental que seja feita uma utilização mais sustentável pelos diversos sectores, pois não basta poupar água quando ela já não existe”.
Segundo o membro do executivo municipal, “há ainda muito desperdício quer no sector urbano, quer no sector agrícola. É necessário reduzir as perdas de água através da melhoria e renovação das infraestruturas de abastecimento nos sistemas em baixa, assim como é necessário reduzir as perdas e aumentar a eficiência no sector agrícola, através de um maior controlo e monitorização de consumos”.
No caso particular do Município de Chaves, numa estratégia de eficiência de gestão dos recursos hídricos do concelho, através da implementação de um projeto de eficiência hídrica, segundo os últimos valores divulgados, já foi possível reduzir as perdas de água nas redes na ordem dos 20%, o que se traduziu numa poupança de 1,4 milhões de litros de água.
“O objetivo é chegar ao final de 2025 e atingir uma redução superior a 40%, no que diz respeito à perda de água nas redes. Para alcançar uma gestão mais sustentável dos recursos hídricos, o Município de Chaves procedeu ainda à realização do inventário infraestrutural dos sistemas de distribuição de água e de coleta de águas residuais existentes no concelho, encontrando-se esta informação disponível numa base de dados assente em SIG, o que constitui uma importante ferramenta de intervenção ao nível da gestão, manutenção e planeamento. De destacar ainda que se tem recorrido à água do rio Tâmega para a rega de 75% dos espaços públicos verdes, tendo o Município, durante o período de maior stress hídrico, restringido a apenas uma rega diária e reduzido ao mínimo indispensável o tempo de rega, procurando-se fazer um uso responsável e uma gestão mais sustentável da água”, disse Nuno Chaves.
Com os níveis de preocupação elevados, o Município continua a promover ações de sensibilização para a necessidade do uso racional da água destinada à população em geral, aos agentes económicos e entidades públicas, isto porque ainda que venha, desejavelmente, a chover acima da média, “não nos podemos esquecer da situação dura e difícil que atravessámos este ano, tendo sido registada escassez de água, em 49 localidades, pertencentes a 25 freguesias do concelho. Por forma a fazer face às necessidades básicas de mais de 5600 pessoas, o Município de Chaves transportou mais de 9 milhões de litros de água, através das Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários do concelho, num total de mais de 700 serviços de abastecimento”, concluiu o vereador.
As secas e a escassez hídrica não podem ser vistas como um problema conjuntural, mas sim estrutural, pois ocorrem cada vez com maior frequência e com impactos cada vez mais preocupantes.
O Jornal de Chaves quis também ouvir a opinião de alguém com conhecimento de causa e falou com Márcio Santos da conhecida página do facebook Meteo Trás-os-Montes - Portugal.
“Há sensivelmente um ano já chamava à atenção para os cenários que se desenhavam e apontavam para mais um inverno extremamente seco e tal não apenas se verificou como à extrema secura se juntaram temperaturas recorde, muito acima do normal para a época, tal teve impacto imediato quer nas albufeiras, quer na flora, que mostraram desde cedo padrões de comportamento muito irregulares. O impacto na diminuição das reservas de água nas albufeiras foi brutal, não apenas porque faltou água das chuvas para as ‘alimentar’ bem como, no caso das elétricas, se esvaziaram para produção de energia, numa altura de picos de preços no mercado ibérico, foi a tempestade perfeita’”.
Nas albufeiras de regadio a gestão deixou muito a desejar, também nestas se optou por levar as cotas de armazenamento a mínimos, quando a situação estava identificada há meses.
“Neste ponto é necessária uma campanha forte de consciencialização junto dos regantes e responsáveis, os tempos mudaram e como tal há que mudar também comportamentos, é necessária uma gestão eficiente da água, novos métodos de regadio e sobretudo uma utilização da água inteligente, responsável e com respeito pelo ambiente. Não podemos negar a importância fundamental do setor agrícola na região, a agricultura é o setor da economia que mais água consome, uma mudança de paradigma e mentalidades não será um desafio fácil, mas terá de ser feita e creio que se não se anteciparem face às evidências, vão continuar perder capacidade competitiva em mercados cada vez mais exigentes e com custos de produção cada vez mais elevados e não é solução viver à sombra de hipotéticos subsídios estatais, nem tal faz sentido”, disse Márcio Santos.
Consultamos as notícias e vemos como aqui tão perto, no Minho, as albufeiras encheram em poucos dias, os rios correm, os campos alagaram e já há quem lamente tanta persistência da chuva. Pois bem aproveitando a disponibilidade de Márcio quisemos saber a razão de aqui chove nem 1/5 do que cai no Minho e Douro Litoral e a resposta foi simples.
“A nossa região tem particularidades muito próprias, são sobretudo as características físicas do terreno que nos tornam tão diferentes, estamos rodeados por cadeias montanhosas, a norte temos o maciço Galaico e a Sanábria, a leste os seus prolongamentos, as serras de Montesinho / Nogueira / Corôa, a sul a Padrela / Alvão e a oeste o eixo Marão / Larouco / Gerês, este isolamento proporciona o chamado Efeito Foehn: Todas estas elevações têm impacto no nosso clima e em especial no regime de precipitações, contudo e uma vez que a maioria da chuva que recolhemos tem origem nos ventos húmidos de sudoeste, é a grande barreira Marão / Barroso / Larouco / Gerês que nos bloqueia a chegada da precipitação, o ar húmido ao chegar à barreira montanhosa é obrigado a subir, arrefece, condensa e precipita (Alto Minho), quando chega ao topo e começa a descer sucede o contrário, o ar aquece, perde humidade e não precipita (Vale do Tâmega), este ultimo episódio de circulação zonal (nome dado à circulação das depressões no Atlântico Norte) foi bem exemplo disso, enquanto o Minho e Douro Litoral recolhiam centenas de litros por m2, na nossa região as quantidades recolhidas foram muito mais modestas. Nada disto é novo no nosso clima, sempre foi assim, atendendo que os regimes de precipitação parecem estar cada vez mais concentrados em curtos espaços de tempo, seguidos de largos períodos de bloqueio anticiclónico, parece lógico que os decisores têm de ter esta nova realidade em conta, já que sem longos períodos de precipitação, a nossa região não consegue capitalizar o suficiente para garantir que não haja problemas de stress hídrico, que já não ocorrem apenas no verão, isto não é um cenário, é factual, os últimos anos provam-no”, disse Márcio Cunha Santos.
Estamos quase em dezembro, a dias do arranque do inverno meteorológico e os dados que temos não são muito animadores, a dia 11 de novembro, data dos últimos dados oficiais disponíveis, a barragem de Curalha armazenava apenas 24% da sua capacidade, Mairos 27% e Rego do Milho 58%, a situação mais delicada encontrava-se na albufeira de Arcossó, com apenas 7%, o Alto Rabagão atingiu a 25/11/2022 a cota 855.78 metros e os 30% de armazenamento, números muito abaixo dos valores de referência para o período, e que a todos devem fazer refletir, apesar da perceção de muita chuva nas últimas semanas, ainda não é suficiente para podermos dar a seca como resolvida, “no entanto, com todo o inverno e primavera pela frente, a esperança de que haja uma certa normalização existe e é legítimo que exista, desde que as condições meteorológicas estejam em linha com o normal, ou seja que não falte chuva, neve, muita neve e frio”, concluiu o responsável pela Meteo Trás-os-Montes - Portugal.
30/11/2022 Jornalista: Paulo Silva Reis Repórter de imagem: Carlos Daniel Morais
Sociedade